Leonardo Brant
THE NEWS ARE FAKE
Atualizado: 11 de dez. de 2022
Fake News é o mais claro sintoma da decadência de uma profissão chamada Jornalismo, o efeito em cascata da falência generalizada de um negócio chamado Mídia. Ao menos a mídia tradicional, aquela que produz notícia para vendê-la como propriedade intelectual. Nos tempos atuais, de self-media, o cidadão comum, empoderado pelas redes sociais, mimetiza a prática dos grandes veículos de comunicação, utilizando muitas vezes o mesmo sistema narrativo, em equações que misturam fatos, especulações não comprovadas mas verossímeis sobre esses fatos, com desfechos tendenciosos às suas causas e interesses.

Durante décadas a classe média brasileira se acostumou a terceirizar a sua opinião. Aceitou impassível a análise contagiosa e perniciosa dos textos editorializados do Jornal Nacional e da revista Veja. Consumir os fatos e a notícia não era suficiente, fomos acostumados a tirar conclusões imediatas sobre determinado acontecimento, sem nos dar tempo ao exercício da reflexão crítica.
Não por acaso essas conclusões apontam sempre para as mesmas soluções e para o mesmo ambiente moral e estético, portanto ideológico. Com o modelo de negócios da mídia tradicional, a fábula da vida cotidiana sempre reforça um conjunto de regras e protagonistas. Essa ideologia única e seu sistema de poder estão fortemente ameaçados com a chamada fake news. E isso é uma boa notícia.
A má notícia é que ela é falsa. E temos que lidar com esse ambiente de pós-verdade sem ferramentas educativas necessárias para separar o joio do trigo. Em vez de darmos risada ou simplesmente ignorar construções narrativas estapafúrdias, sem lugar para o nosso estágio civilizatório, resolvemos levar a sério, simplesmente porque essa construção faz sentido dentro do sistema de crenças e valores que estamos inserido, além de trazer um modelo narrativo que estamos acostumados a consumir cegamente, ou ao menos sem o espírito crítico necessário.
Vivemos em uma sociedade praticamente analfabeta em mídia. Os chamados cidadãos de bem, com boa educação e acesso à informação, desconhecem completamente a estrutura narrativa, o modelo de negócios e o sistema de poder que abriga e constitui uma empresa do ramo da comunicação. E isso faz com que nos tornemos presas fáceis das fake news, que se proliferam de maneira indiscriminada pela cibercultura.
Essa fragilidade é explorada de forma inconsequente pela nova mídia, um negócio que não produz uma linha de conteúdo. Pelo contrário, desde o princípio esse novo modelo foi baseado na desconstrução do autor e a desvalorização do conteúdo de qualidade. Não importa se ele é construído na base da ética, do estudo e da verdade. Para ter valor basta gerar views, comentários e compartilhamentos.
E ainda temos agravantes. O cidadão hiper-moderno está super-exposto. A cultura das selfies tem por trás uma outra faceta do modelo de negócios da nova mída, que é o uso dos dados e consequente monitoramento do seu comportamento, preferências sexuais, ideológicas ou de consumo. Isso faz com que o conteúdo chegue embalado segundo o seu próprio modelo de valores e crenças. Estamos na era do conteúdo customizado e sempre haverá uma fake news que caiba em nosso sonho.
Esse conjunto de fatores faz com que criemos novas realidades narrativas e ficcionais, com cara de verdade, mas que atuam facilmente a favor de um projeto de poder político e econômico. A esquerda brasileira utilizou muito desse expediente para se contrapor ao poder dominante da grande mídia. O chavão "nunca antes nesse país" é um bom exemplo de como a nossa história passou a ser reescrita de forma tendenciosa. E agora vê estupefata a direita fazer o mesmo, ainda mais agressiva e competente na forma de criar e espalhar universos paralelos à realidade.
Tudo indica que a campanha de Donald Trump utilizou de forma fraudulenta desse expediente. E no Brasil seguimos o mesmo caminho com uma candidatura de extrema-direita, que fala abertamente em destituir o poder do Congresso e do Supremo Tribunal, além de ignorar solenemente o documento fundador da sociedade moderna: a Declaração Universal dos Direitos dos Direitos Humanos.
Ano passado fui convidado a cocriar o primeiro conteúdo 360graus da Globonews. Foi um interessante processo, promovido pelo departamento de marketing do veículo. Eu fui convidado junto com dois grandes profissionais do jornalismo e das mídias digitais: Guilherme Melles, da página Quebrando o Tabu, e Leandro Begouci, da revista Nova Escola. E fizemos esse bate-papo ao vivo sobre o tema, que vale relembrar. Clique aqui para assistir na íntegra.
Semana passada participei de um outro bate-papo sobre este assunto, com a Rede de Repensadores. Em breve lançaremos na página da rede mais reflexões sobre o assunto.