O que é pirataria? Quem são os verdadeiros usurpadores do conhecimento alheio? Quem a pirataria beneficia? E quem atinge? Podemos considerar piratas crianças e jovens que compartilham arquivos, se apropriando do conhecimento gerado por nossa civilização? Quem é o autor de uma obra remixada? Existe obra 100% original? Como sobreviverão os criadores diante da proliferação da dita “pirataria”? E como ficam as indústrias criativas numa época de compartilhamento de dados pier-to-pier?
O parágrafo acima foi escrito em 2010. É o segundo artigo mais lido do site Cultura e Mercado, o mais influente do setor durante nos gloriosos anos de ascensão da classe criativa no Brasil, agora em plena derrocada.
Acabo de assistir a um interessantíssimo documentário disponível no Netflix, chamado “The Lion's Share”, com a esquisita tradução de “O Rei Leão e o Músico Esquecido”. O filme mostra todo o processo de apropriação do direito autoral de um artista sul-africano pela indústria. E é bem didático em apresentar o autor como a parte mais frágil e desamparada da cadeia.
A distribuição digital de conteúdos é uma realidade da cultura contemporânea, sobretudo com o avanço do acesso às tecnologias de comunicação e informação e à banda larga. A discrepância entre essa cultura digital e as leis que protegem os detentores dos direitos patrimoniais de obras de interesse público torna-se gritante e anacrônica.
A legislação de muitos países – inclusive o Brasil – está em pleno processo ebulição, com uma certa tendência ao recrudecimento das leis, cerceando as práticas de circulação de conteúdos e criminalizando o download. Há um elemento novo, a consolidação do pay-per-view ou video on demand, que já era comum nos mercados de software, game e apps.
Mas há um elemento nesse cenário que favorece o criador. Hoje ele detém mais poder de definir os rumos de sua obra, desenvolver seus públicos sem intermediários e lucrar em escala com criações próprias. Mas ainda o viés de favorecimento à indústria em detrimento do autor é uma constante.
O mercado estabelecido é altamente concentrado. A compra da Fox pela Disney é apenas mais um movimento nesse sentido. Mas não podemos esquecer que novos players e mercados, como YouTube e Netflix, apresentam perspectivas de inovação e mercado para criadores. O mesmo podemos dizer de mercados de apps, games, música e praticamente tudo o que diz respeito a criação e criatividade.
Se antes alertávamos para o risco de sobrevivência de artistas, compositores e escritores, sem a garantia do direito de autor, hoje já podemos pensar em saltos mais ousados para essa categoria, de quem as indústrias dependem cada vez mais. Mas para isso é preciso que o autor esteja realmente preparado para atuar como empreendedor.
Na batalha pela concentração de poder, os autores não podem ser deixados de lado. Já vivemos uma espécie de ressaca dos tempos de livre circulação, sobretudo na música. Em um momento de euforia cidadã, muitos compositores, fotógrafos, escritores, liberaram suas obras, mesmo sem saber como iriam sobreviver sem os dividendos gerados por elas no futuro. Em alguns casos, essa atitude gerou liberdade, inserção de mercado, possibilidade de circulação e ganhos efetivos em outros nós da cadeia produtiva, como a realização de shows e vendas online. Mas em outros gerou frustração, pois os novos mercados exigem determinadas habilidades que nem todos os autores têm.
O conhecimento por nós produzido deve ser acessível a todos. O acesso a esse conhecimento não pode ser decido por corporações, tampouco financiado somente por criadores. O novo eldorado da criatividade é o mercado de nicho. Por ele conseguimos desenvolver públicos, estabelecer relações diretas com esses públicos e entregar conteúdos e criações de forma ilimitada, com escalabilidade proporcional ao tamanho do nicho.
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